Disciplina: tirania ou liberdade?

Você já parou para pensar o que é da sua vida quando não há disciplina? Como você fica? Perdido ao vento. A cada coisa que passa, você muda de direção.

Saiu de casa para ir caminhar, mas passou na frente do supermercado e lembrou que precisava comprar coisas para o café da manhã. Parou e deixou a caminhada para mais tarde. Se propôs a acordar cedo para meditar, orar, centrar a sua mente, mas quando o despertador tocou, você pensou: “só mais cinco minutos”, e perdeu a hora ou acabou fazendo meia boca, porque o tempo ficou apertado. Ou ainda, decide sentar para estudar, mas antes, só um lanchinho. Enquanto prepara o lanchinho, pega o celular e abre as redes sociais, quando você olha no relógio, já quase não há mais tempo para o estudo. Enfim, essas e tantas outras situações lhe distraem conforme vive seus dias de forma leniente.

Chega um momento então, que você decide ir ao psicoterapeuta ou ao médico e diz a ele: “não sei, mas parece que a minha vida está vazia, não vejo mais sentido em nada… acho que devo estar deprimido”, ou ainda: “não consigo focar em nada, não termino nada do que começo…” e de repente você sai do consultório médico com uma generosa receita de medicamentos ansiolíticos, antidepressivos, estabilizadores de humor e estimulantes. Assim, você segue a sua vida, agora com um tapa buraco, sentindo menos as lombadas do caminho, acreditando que tudo está ótimo… até que… um tempo depois o lamaçal que você se encontra é no mínimo duas vezes pior.

Em um tempo de “modernidade líquida”, como diz Bauman, a resiliência está quase esquecida. Pouco damos valor ao esforço da construção que não revela seus efeitos imediatos. Estamos chegando a desaprender a edificar, ouso a dizer. Criamos uma aversão às obrigações de tal forma, colocando-as no mesmo pacote das castrações, que jogamos fora o bebê com a água do banho. Na medida em que as leis sociais se afrouxam, os papeis são questionados e até mesmo invertidos, em que a lei moral está sendo colocada em xeque repetidamente, os fundamentos de uma construção sólida vão sendo esquecidos e condenados.

Caímos no conto do vigário de acreditar que nossos esforços serão recompensados imediatamente; nos tornamos hipersensíveis, insensatos, inconstantes, egoístas e mesquinhos. Honra nos relacionamentos? Passa longe, ficou décadas para trás. Amor que se constrói? Nem se fala. Uma profissão com profundidade, experiência e robustez? De forma nenhum. Afinal, merecemos ser feliz, não é mesmo?

Essa é a maior falácia do século XXI. Ninguém merece nada; nós construímos nossa vida mediante aquilo que acreditamos, nos dispomos a fazer, e que acumulamos ao longo do tempo. A ideia de que alguém “merece” algo gera sujeitos infantilizados e vitimizados, que aguardam ser recompensados e pouco ou nada fazem para responsabilizarem-se por suas próprias vidas. Precisamos despertar dessa ilusão urgentemente! Nada poderá ser construído desta maneira.

Disciplina é amor, essa é a grande verdade. Disciplina aliada a uma base profunda de consciência pessoal manifesta as prioridades, o cuidado, o zelo e a responsabilidade com o que é importante. Para que este tipo de disciplina possa existir, é necessário desassociá-la de uma noção de obrigação. Quando nos obrigamos, impomos verdades de cima para baixo, “guela baixo” como dizemos popularmente. Isso não é disciplina, é tirania. A verdadeira disciplina emerge de um senso de convicção, amor próprio e clareza do que é importante. Quando ela está associada a um mergulho profundo em si que elucida o essencial e a verdade, ela estabelece bases sólidas para a edificação de uma vida que gera frutos verdadeiramente satisfatórios.

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