O que significa receber? Receber é mais do que dar. É a nossa posição original: criatura; receptor de vida. Receber é um desafio maior do que dar, porque quem recebe é pequeno. Receber em paz é uma arte que envolve o todo da alma. Demanda concordância com o que é, humildade e sabedoria. Receber sem perder a dignidade é um desafio. Normalmente, quando recebemos muito nos tornamos arrogantes, negando a dádiva ou tornando ela importante demais.
Isso é normal que aconteça, porque pelo fluxo natural dos vínculos, sempre que recebemos, nos sentimos obrigados a devolver algo em troca. A lei do equilíbrio, que preserva os vínculos, exige isso de nós. Acontece que, quando recebemos algo grande demais, algo que não podemos retribuir, precisamos ter uma sabedoria especial na alma para tomar isso como presente. E não há como se fazer isso, sem sentir culpa, angústia.
Quando recebemos algo grande, tendemos a negar o presente estabelecendo um olhar de desimportância ou indignidade para aceitá-lo, recobrindo essa decisão com justificativas. Outra opção é a tentativa de retribuir, colocando-se como maior do que se é de fato. Nessa segunda possibilidade, entramos em espaços que não são nossos, abraçamos problemas, emoções, desafios e necessidades que não nos cabem. Nos dois casos, há descompasso, tamanho inadequado, limites anulados. Receber algo grande, preservando a dignidade e o próprio tamanho, é imensamente desafiador.
A única forma de fazermos isso é compreendendo o presente como uma bênção, que vem sem amarras, que pode deixar de vir da mesma maneira que veio – livremente. Esse modo de receber, no qual permanecemos exatamente onde estamos e do tamanho que temos nas relações exige força na alma para não sucumbir à necessidade de compensação àquele que nos deu. Essa força vem de permanecer na angústia.
Isso não é só. Há mais uma coisa que devemos fazer nesses casos, em que recebemos algo grande demais para retribuirmos: passar a bênção adiante, da forma que for possível.
Se não podemos devolver, ou se, o que podemos devolver é muito pouco perto do que ganhamos, a alma permanece na pressão de fazer algo para compensar o ganho. Nesse caso, a saída é compensar à frente e não atrás. Isso significa: se abastecer do presente e produzir algo com isso. Algo que agregue a outros, algo que semeie e possa dar frutos, algo que seja passado adiante para quem quiser receber. Assim, permanecemos conectados ao fluxo da vida. Assim, a vida flui através de nós a outros. Assim, pode fluir mais pois nos alargamos no quanto suportamos receber.