A mágoa e o amor

Existe um dilema na vida que é irresolúvel: a mágoa. Nutrir mágoa é como a proliferação de um câncer que se alastra pelo corpo, consumindo cada célula de vida até colonizar por completo o indivíduo, porque acredita ser a solução. A célula cancerígena se torna tão agressiva pelo fato dela perder o controle sobre sua multiplicação e adquirir formas de invadir os tecidos circundantes, desrespeitando as barreiras que deveriam mantê-las contidas. Não é exatamente isso que a mágoa faz? Não se sustenta na crença de superioridade e de injustiça? Assim, esse sentimento perde o controle sobre si, se dissemina de maneira irrefreada, invadindo cada vez mais áreas da vida e cada vez mais destruindo relacionamentos. Sentir-se triste, com raiva ou impotente é perfeitamente adequado.

A questão é a persistência e nutrição destes sentimentos. Uma tristeza nutrida se torna mágoa. Não é a tristeza de destrói, mas a sua nutrição, que, junto com uma série de crenças, produz a mágoa. Ela sim, é o problema. Mesmo sendo o problema, há solução. Muitos resistem a ela, preferindo refugiar-se nas justificativas e sob a carapuça da vítima impotente do que mudar, mas existe sim a possibilidade de mudança. Por que então iniciei esse texto com a afirmação de que a mágoa é um dilema irresolúvel? Explico: enquanto a consciência estiver voltada para a mágoa, não há solução. A saída está do outro lado do muro – quando há a decisão de deixar a mágoa e seguir a diante.

O primeiro passo para a mudança é escolher abandonar a carta de dívida (que é justamente o insumo da mágoa). Isto é uma atitude que, para ser verdadeira e eficaz, precisa ser internamente motivada. Em outras palavras, não adianta decidir deixar a mágoa por qualquer razão que não seja exclusivamente por amor próprio. Qualquer motivação diferente desta é uma farsa porque, no fundo, guarda rancor e demanda ganhos secundários. Por exemplo: “desisto da mágoa, assim, serei mais agradável e X irá me amar mais”. A motivação aqui é X amar mais. Se isso não acontecer imediatamente, o que acontecerá?

A pessoa retornará para a mágoa. Então, pergunto eu: esta pessoa de fato superou a mágoa? Não, ela maquiou e usou-a como moeda de barganha. Este tipo de atitude não funciona. Mais cedo ou mais tarde, leva ao mesmo abismo. A questão central é o amor por si. A única forma de sair de determinados impasses nucleares da vida é através de um único caminho: a decisão de amar. Coloco a palavra “decisão” antes de “amor” por um motivo específico.

Amar é antes uma escolha para depois ser um sentimento e por fim se tornar uma forma de ser. A decisão de amar parte da consciência radical de que não existem salvadores, de que eu sou o único responsável por mim mesmo, pela minha vida e pela forma como vivo. Claro que coisas me acontecem que estão fora do meu controle, mas a maneira que as encaro, que lido com elas e respondo a elas é no fundo a minha única liberdade.

Assumir total responsabilidade por si nasce da interiorização desta verdade, molécula por molécula.

Conheço pessoas que passam a vida esperando que essa verdade desça sobre elas, agindo inconsequentemente com seus relacionamentos, ferindo a si mesma e ao outro, como se não tivessem nada a perder. Essa é na verdade, a maior armadilha. A compreensão só virá quando a consciência do estrago chegar. Ela pode chegar porque há um empenho constante e consciente para remover a venda dos olhos ou então, diante da perda total de algo sagrado para si. Cada qual precisa escolher o rumo a tomar. Há coisas que podem ser aguardadas, outras, que o aguardo é covardia. Há verdades que chegam cedo e permitem reparação, outras, que chegam tarde e já não podem ser reparadas. Mais uma vez: a escolha é individual.

Fato é que, na inércia, não há solução. Quem nutre mágoa e acredita que os danos são mínimos, está diante de uma enorme ilusão. Superar a dor das faltas que nos constituem é uma das coisas mais difíceis de se fazer nesta vida. Ainda assim, é necessária. Do outro lado do muro e da mágoa, há muita vida pela frente. Um jardim florido pode estar aguardando. A possibilidade de começar de novo, quem sabe?

Do outro lado do muro está o amor, isto é um fato. Amor esse que só pode florecer se houver campo limpo para recebê-lo. Posso dizer que, quando escolhemos fazer o movimento de simplesmente fechar a porta para o passado, rasgar a carta de dívida e pular para o outro lado do muro, descobrimos que agora sim as nossas faltas podem ser curadas, com o amor.

O amor só floresce do outro lado do muro. Por isso, enquanto a mágoa for o terreno que você pisa, não há solução. Este é de fato um problema irresolúvel que sugará para si cada parte da sua vida até que não sobre te sobre nada além de ossos. Contudo, para quem decide assumir total responsabilidade por si, decide amar a si radicalmente, independente de qualquer passado ou contexto presente, a vida floresce. A vida floresce para aquele que escolhe por ela. Frutos de vida não podem ser colhidos em terrenos de morte. Eu fiz, faço e refaço a minha escolha a cada dia.

Te convido a fazer a sua.
Com carinho, Andrea

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